*Por Carolina Margonari
O nome social de uma organização é mais do que uma simples identificação – ele se torna sua marca. No entanto, sem o registro formal, esse patrimônio pode estar desprotegido e vulnerável.
1. Por que falar de marcas no terceiro setor?
No Terceiro Setor, os desafios enfrentados pelas organizações vão além da escassez de recursos financeiros. Há também uma significativa carência de informação, especialmente sobre aspectos jurídicos e estratégicos. Essa falta de conhecimento pode comprometer a segurança institucional, fazendo com que muitas organizações deixem de adotar medidas essenciais de proteção – como o registro de sua marca – e, assim, fiquem mais vulneráveis na realização de suas atividades.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil contava com 879.326 mil organizações da sociedade civil ativas em 2023¹. Diante desse cenário, é possível imaginar quantas delas podem ter nomes semelhantes ou até idênticos.
Agora pense: se uma dessas organizações se envolver em um escândalo ou tiver sua reputação abalada, outras instituições com nomes parecidos, mesmo atuando com seriedade, transparência e responsabilidade, podem ser injustamente prejudicadas.
O Terceiro Setor tem uma contribuição significativa para a economia brasileira, representando 4,27% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Para efeito de comparação, a Agricultura – setor historicamente valorizado – representa 4,57% do PIB². Um setor com tamanha relevância e impacto merece ter suas organizações protegidas em todas as frentes – inclusive no que diz respeito à identidade de marca.
A proteção de marcas não deve ser uma preocupação exclusiva das empresas do Segundo Setor.
2. Diferença de nome e marca
Um primeiro ponto importante no universo das marcas é compreender a diferença entre a proteção do nome social (ou nome fantasia) da organização e a proteção da sua marca. Como bem esclarece Lucas Seara no artigo “Qual o nome da sua associação?”, a escolha do nome é mais do que um ato formal: ela marca o início da vida institucional da entidade. É nesse momento que a organização começa a construir sua identidade, definindo os pilares de sua história, sua missão e, consequentemente, sua marca.
O registro público do nome da entidade é um procedimento distinto do registro de marca, ambos são realizados por órgãos diferentes e seguem processos próprios.
3. O que é uma marca?
Na legislação brasileira, a “marca é um sinal visualmente perceptível capaz de distinguir os produtos ou serviços”³. Existem tipos de marcas como de produto, serviço, coletivas, certificação, notoriamente conhecidas e de alto renome.
No contexto do Terceiro Setor, a marca exerce um papel ainda mais significativo: ela representa a identidade da organização por meio de sua atuação, diferenciando-a das demais, mais do que uma identificação, ela possui um fim social, a marca comunica valores, reflete o impacto social, conta uma história e estabelece conexões emocionais com o público, fortalecendo sua presença institucional. Com isso, ela adquire um valor próprio, tornando-se um ativo estratégico e um investimento importante para a organização.
A marca se torna um símbolo de credibilidade, fortalecendo a confiança do público e das relações com parceiros, financiadores, órgãos públicos, colaboradores, terceiros, voluntários e outras entidades.
4. A importância do registro da marca
No Brasil, o órgão responsável por conceder registros de marca é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Esse processo é regulamentado pela lei conhecida como Lei da Propriedade Industrial (LPI). A legislação estabelece todas as regras envolvendo o processo de registro de marca.
Uma vez concedido, o registro de marca é formalizado por meio da emissão de um certificado pelo INPI. Esse registro possui validade de 10 anos, contados a partir da data de concessão e pode ser renovado por períodos iguais e sucessivos, garantindo a continuidade da proteção legal da marca por um extenso período.
Sem dúvidas, a principal importância do registro de marca está na segurança jurídica que ele proporciona. Uma vez concedido, a organização passa a ter respaldo legal para proteger esse ativo tão valioso diante de terceiros, evitando usos indevidos e protegendo sua posição dentro da sua área de atuação.
A pressão para que organizações transmitam uma imagem segura e confiável é cada vez maior, e, muitas vezes, leva-se anos para construir essa credibilidade. Por outro lado, bastam segundos para que ela seja colocada em risco: uma confusão de identidade ou o uso indevido da marca por terceiros pode ser extremamente prejudicial para a reputação e a atuação da organização.
Com o registro, além de proteger sua história, a organização poderá estabelecer parcerias estratégicas, associando sua marca a produtos ou serviços de terceiros, desenvolver produtos próprios e divulgar sua identidade em eventos, ações que visam apoiar financeiramente suas atividades. Além disso, é possível firmar parcerias semelhantes a franquias, criando um ecossistema de apoio mútuo que contribua para o fortalecimento de pequenas organizações no exercício de suas atividades.
5. Quando a marca fala pela causa: como ela impulsiona a captação de recursos e amplia o impacto da organização
Uma marca bem construída e registrada vai muito além da identidade visual: ela se transforma em um ativo estratégico para a organização. No Terceiro Setor, isso significa mais confiança, mais oportunidades e, principalmente, mais recursos para manter e expandir as atividades.
Com uma marca registrada em seu nome, a organização transmite segurança e profissionalismo – fatores que contam (e muito!) na hora de conquistar doadores, financiadores, voluntários e parceiros. Pessoas físicas se sentem mais confortáveis ao apoiar instituições que transmitem clareza de propósito e valores sólidos. Da mesma forma, colaboradores, prestadores de serviço e voluntários se conectam emocionalmente com marcas fortes, o que fortalece o vínculo institucional e reduz a rotatividade interna.
Esse potencial também se estende para o universo das parcerias estratégicas e co-branding. Cada vez mais empresas buscam se associar a marcas do Terceiro Setor como forma de reforçar seu compromisso com a responsabilidade social. Quando essa conexão é bem-feita, os resultados são impactantes: mais visibilidade, mais credibilidade e maior capacidade de captação de recursos – inclusive com alternativas como o recebimento de royalties pelo uso da marca em produtos ou eventos.
E os exemplos não faltam. O Instituto Ayrton Senna, por exemplo, desenvolveu uma comunicação tão eficaz que hoje sua marca aparece em produtos diversos com a mensagem “com este produto você apoia a educação”. O Amigos do Bem criou sua própria linha de produtos – como doces, mel e artesanatos – e firmou parcerias com empresas consolidadas, convertendo a força da marca em receita para seus projetos sociais. Já a Ampara Animal participa de eventos externos aliando a sua marca ao engajamento público.
Essas experiências mostram que, quando a marca comunica com clareza a missão da organização, ela vira ponte com novos públicos, gera retorno financeiro e fortalece a causa. Ter uma marca registrada, protegida e estrategicamente explorada é um passo essencial para quem quer crescer com propósito e sustentabilidade.
6. Desafios e oportunidades para o terceiro setor
Apesar do grande número de organizações ativas no Brasil, a maioria ainda opera com recursos limitados e sem estrutura mínima de governança. A falta de conhecimento sobre ferramentas estratégicas, como o registro de marca, é um dos principais obstáculos para o fortalecimento institucional e a expansão segura das atividades.
Muitas organizações desconhecem a importância desse registro, enquanto outras acreditam que o processo é complexo ou inacessível financeiramente. No entanto, importante mencionar, a solicitação é feita online junto ao INPI, e entidades sem fins lucrativos têm direito a 50% de desconto nas taxas. A partir de 7 de agosto de 2025, o INPI poderá conceder isenção total das taxas para pessoas físicas em situação de hipossuficiência inscritas no CadÚnico, assim como para pessoas com deficiência registradas na base do Governo Federal.
Uma marca registrada e bem construída protege a reputação da organização, gera confiança, parcerias e mais oportunidades de captação de recursos. Com isso, inicia-se um ciclo virtuoso: mais visibilidade e credibilidade resultam em maior impacto social e em uma marca cada vez mais consolidada
*Carolina Margonari – fundadora da CMAJ, assessoria jurídica que alia estratégia, eficiência e propósito. Advogada com 10 anos de experiência em Propriedade Intelectual, Contratos, Proteção de Dados e Compliance, atua de forma transversal no 2º e 3º setor, com forte compromisso com impacto social. É autora de diversos artigos e coautora de obra publicada sobre proteção de dados, além de exercer a função de secretária na Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB Ipiranga/SP.
Fonte: OSC Legal