Captação de Recursos no MROSC: aprimorando o ambiente

Atualizações na Lei das Parcerias permitem inclusão dos custos de captação de recursos nos projetos com o poder público
Foto de Photo By: Kaboompics.com

*Por Nathalia Kaluana e Lucas Seara

A Lei nº 13.019 de 2014, conhecida como ‘Lei das Parcerias’, integra a agenda do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC)¹. Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil (OSC) e cria os novos instrumentos para formalização destas: Acordo de Cooperação, Termo de Fomento e Termo de Colaboração. A norma avança na organização e conformação jurídica dos procedimentos e atribuições das partes nesta relação, isto é, os direitos e deveres das OSC e da administração pública.

Embora estabeleça uma sistemática geral para o regime de parcerias, a Lei exige regulamentações específicas por parte dos entes públicos (União, Estados e Municípios), principalmente para definir prazos, responsabilidades e procedimentos em suas respectivas competências. É de suma importância que os entes públicos adotem uma regulamentação particular, além de tomar todas as medidas administrativas para o bom funcionamento do regime, tais como a instalação do CONFOCO², otimização de fluxos, etc.

No âmbito federal, o regulamento do regime MROSC é o Decreto nº 8.726/2016³, que estabelece as regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as OSC. Inicialmente, sua importância se dá pela aplicação nas parcerias envolvendo a União, geralmente de maiores proporções em termos de recursos envolvidos. Também é uma referência e modelo para a concepção dos regulamentos subnacionais (estados e municípios) e serve ainda como parâmetro para aquelas localidades que não possuem regulamentação específica, que utilizam na prática a nacional por analogia.

O cenário da regulamentação apresenta ainda em âmbito estadual um total de 20 Estados e o Distrito Federal com regulamento específico para o regime MROSC. Por sua vez, em âmbito municipal são mais de mil cidades contando com regulamentação própria, conforme levantamento do OSC LEGAL Instituto, disponível em www.osclegal.org.

Em 2023, no nível federal, destaca-se a instauração do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração (CONFOCO)⁴ e a retomada da agenda MROSC na pauta da Secretaria Geral da Presidência da República. Como consequência, veio o Decreto nº 11.948/2024⁵,que trouxe ajustes significativos para o regime de parcerias federais, com ênfase nos mecanismos de participação das organizações de menor porte.

Para o campo da captação de recursos, ressalta-se um avanço importante para as OSC e profissionais do setor: pela primeira vez se permite que os custos com a elaboração de propostas sejam incluídos nos orçamentos das parcerias com o poder público.

Juridicamente relevante, tal mudança finalmente garante uma previsão legal para que as OSC incluam nos orçamentos das parcerias os custos de elaboração de propostas, com um limite de até 5% do valor total do projeto ou de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Entendemos que este avanço pode impulsionar a profissionalização da atividade de captação de recursos, beneficiando centenas de profissionais do setor. A possibilidade de investimento nessa etapa favorece a elaboração de propostas mais qualificadas, fortalece institucionalmente as OSCs e potencializa o impacto das ações desenvolvidas em parceria com o Estado.

No entanto, apesar desse avanço em âmbito federal, os estados e municípios ainda não têm acompanhado a atualização normativa. O cenário estadual é um bom exemplo: a maioria dos regulamentos estaduais continua alinhada ao texto prévio do Decreto nº 8.726/2016, sem incorporar as inovações trazidas pelo Decreto nº 11.948/2024. Isso significa que, na prática, as OSCs que estabelecem parcerias com entes estaduais ainda estão impedidas de incluir custos de captação nos orçamentos dos projetos, o que gera desequilíbrios entre regiões e prejudica a sustentabilidade de muitas organizações.

Mas neste cenário destacam-se dois estados que recentemente promoveram ajustes em seus regulamentos MROSC: Acre e Piauí.

O Acre foi o último estado brasileiro a adotar uma regulamentação própria do MROSC, com a publicação do Decreto Estadual nº 11.238/2023⁶. A norma foi atualizada para incorporar os avanços trazidos pelo Decreto Federal nº 11.948/2024. Agora, nas parcerias acreanas, as entidades poderão incluir os custos de elaboração de projetos nos orçamentos e planos de trabalho. Além disso, o estado já se destacava por ter sido um dos pioneiros na implementação do CONFOCO estadual⁷.

Em março, o Estado do Acre publicou o Decreto nº 11.658/2025⁸, que autoriza a previsão de despesas com a elaboração do plano de trabalho, por meio de reembolso ou pagamento retroativo, com tetos escalonados conforme o valor do instrumento de repasse. A norma estabelece parâmetros objetivos para esses custos, além de permitir despesas com projetos técnicos quando houver obras envolvidas. O novo decreto também revoga o artigo anterior que vedava, expressamente, a previsão de gastos com taxas de administração, elaboração de proposta ou similares.

Com isso, o Decreto passou a autorizar a introdução nas despesas do projeto dos custos para a elaboração do plano de trabalho (art. 20), com os seguintes parâmetros:

IV — custos para a elaboração do plano de trabalho, por meio de reembolso ou pagamento retroativo, conforme as faixas de valores abaixo:

a) para instrumentos de repasse com valor entre R$ 20.000,00 e R$ 50.000,00: até R$ 1.200,00;

b) para instrumentos de repasse com valor entre R$ 50.001,00 e R$ 100.000,00: até R$ 2.000,00;

c) para instrumentos de repasse com valor entre R$ 100.001,00 e R$ 500.000,00: até R$ 3.000,00;

d) para instrumentos de repasse com valor entre R$ 500.001,00 e R$ 1.000.000,00: até R$ 4.000,00;

e) para instrumentos de repasse com valor igual ou superior a R$ 1.000.001,00: até R$ 5.000,00;

V — custos com contratação de projeto básico ou executivo, quando envolver obras de construção, reforma ou ampliação.

Já o Estado do Piauí possui regulamento MROSC desde 2017, através do Decreto Estadual nº 17.083 de abril daquele ano. Recentemente, em maio de 2025 promoveu ajustes no regulamento, através do Decreto nº 23.850/2025⁹, com especial enfoque na plataforma eletrônica de gerenciamento das parcerias e na destinação dos bens após termino da parceria. Outro destaque é a criação do Conselho de Fomento e Colaboração do Estado do Piauí (“Confoco-PI”).

O novo texto agora traz a possiblidade de realizar despesa em data anterior à vigência do instrumento, quando se tratar da remuneração pela elaboração de proposta apresentada no âmbito do chamamento público, “no montante de até cinco por cento do valor global do instrumento, limitado a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)”.

O MROSC é um regime jurídico em constante construção, que depende da atuação articulada entre o poder público e a sociedade civil para alcançar sua efetividade. As mudanças trazidas pelo Decreto nº 11.948/2024, especialmente no que diz respeito à inclusão dos custos de elaboração de projetos, representa um avanço importante para tornar as parcerias mais justas, acessíveis e qualificadas.

A nosso ver, a incorporação destes avanços nos regulamentos estaduais e municipais potencialmente poderão trazer benefícios como:

  • Equidade: OSCs de qualquer localidade com possiblidade de incluir custos de captação em seus projetos;
  • Eficiência: possibilidade de investimento na elaboração de propostas, com potencial de que organizações menores apresentem projetos mais robustos;
  • Fortalecimento: promoção de um ambiente mais sustentável para atuação das OSCs;
  • Mercado de Trabalho: recursos disponíveis para investimento nos profissionais e atores do setor de captação de recursos.

Assim como fizeram os Estados do Acre e do Piauí, a atualização dos decretos estaduais não é apenas uma questão burocrática. Trata-se de um passo essencial para garantir melhorias nas relações de parceria, com o aprimoramento do ambiente para que as OSCs possam desempenhar seu papel social de forma plena e sustentável.

*Nathalia Kaluana é Estudante de Direito. Bióloga, mestre em Sistemática e Evolução. Líder do Grupo de Trabalho de ‘Direito e Captação de Recursos’ da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), e Lucas Seara é Advogado, Consultor, Mestre em Gestão Social (UFBA) e Diretor do OSC LEGAL Instituto.

Fonte: OSC Legal

Compartilhe esta postagem

WhatsApp
Facebook
LinkedIn

acompanhe nossas

outras notícias

plugins premium WordPress